
A culpa é de Hollywood e filmes de heróis, é do Isis, é do PT, é das drogas, do rock and roll, do comunismo, é dos judeus, é do Islamismo, dos cristãos, da mulher que me destes, da serpente, é do inferno que é o outro. Achar uma vítima perfeita e criminoso ideal é o que se faz desde sempre - leia René Girard. Esse mecanismo de culpar uma vítima para o bem da sociedade é o que chamamos de bode expiatório (entenda a origem do termo aqui). Quando ameaçados, nada mais eficaz do que achar um inimigo em comum e se unir na batalha contra "o mal." Toda sociedade, secular ou religiosa, tem seus bodes expiatórios e objetos de devoção. Esses comportamentos são fenômenos antropológicos, e apesar de se manifestarem mais claramente na religião, não são exclusivos à religião. Um nacionalismo secular, por exemplo, vai apontar o dedo da culpa para o estrangeiro e o dedo da devoção ao seu líder supremo (Trump e Isis? Bolsonaro e PT?) Já uma religião conservadora vai acusar a heresia, o diabo, o mundo e mais tudo que se entenda como ameaça aos costumes da congregação. Fazendo assim, toda animosidade e ansiedade da multidão enfurecida encontra uma vítima perfeita em quem derramar sua justiça (lembra de Jesus?)
Mas voltando ao assunto dos heróis, não é de hoje que a arte é feita de bode expiatório. Na subcultura do cristianismo, sabemos quanta paulada a música, games, filmes e literatura levaram dos púlpitos puritanos, que culparam esses de perverter a mente das crianças tornando-as violentas - irônico, no entanto, que contar-lhes historinhas de muros caindo em pessoas, fazê-las colorir páginas do extermínio da raça humana pelo dilúvio e ensiná-las a desenhar as dez pragas não tem nada de violento, tem?
Quem me conhece sabe que sou grande defensor das histórias em quadrinhos e cultura do super-herói. E o sou pelo motivo diretamente oposto ao que Maher mencionou: na maioria, as pessoas sabem a diferença entre religião e super-herói (duh!), e enquanto pode se argumentar extensivamente que a primeira cria uma cultura dependente de salvadores, a segundo é claramente fantasiosa e estimula o leitor a aspirar ao heroísmo ele mesmo.
Maher, assim, está bem equivocado quando diz que tanto heroísmo nas telas deixa o telespectador desejoso de alguém que faça por ele o trabalho duro. Pelo contrário, depois de jogar Marvel Lego Superheroes por 1 hora e conversar sobre heróis com as crianças de quem tomo conta às vezes (gêmeos japoneses de 4 anos de idade), não há quem os segure de querer ajudar seus inocentes e indefesos brinquedos das ameaças de outros brinquedos.
Apesar de diferentes nomes, a cultura do super-herói sempre esteve conosco. Hoje, são super-heróis. Antigamente, eram guerreiros, messias e semideuses. Hércules, Salomão, Aquiles, Beowulf, Thor (o original, não o Toddynho), Jesus, Superman, etc. Literariamente falando, são os personagens que ajudaram a humanidade a se levantar ao desafio de mudar o mundo trazendo justiça (pobres, órfãos, viúvas, idosos, crianças e injustiçados sempre foram o alvo do heroísmo, seja religioso, secular ou fantasioso) Os quadrinhos e o heroísmo ajudam a seus leitores, crianças no geral, a ter um senso de moralidade mais apurado e desenvolver a ideia do altruísmo.
O idealismo platônico, para mim, é uma boa base filosófica para cultura do super-herói: existe o mundo real e o mundo ideal, o das sombras e o da luz. O herói é aquele que se prepara e transpõe o abismo que os separa, levando luz às trevas, bem aonde há o mal, e assim, faz triunfar a justiça recuperando o bem primordial.
Se você é pai ou mãe, saiba que há muita coisa boa em incentivar seus filhos à leitura de quadrinhos. Crianças engajadas à arte são crianças que cultivam o gosto pela criatividade. Então da próxima vez que você ouvir seu pastor, amigo ou comentarista favorito (como o Maher é o meu) pregando contra os males e perigos dos filmes de super-heróis e fantasias demoníacas, respire duas vezes, conte até 10 e chore, porque mudar a cabeça de alguém que pensa assim é tão fácil quanto fazer um fã da Marvel entender o porquê de Batman v Superman ser artisticamente superior a qualquer filme da Marvel.
Guilherme Adriano
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