O Medo do Inferno

A grosso modo, há dois tipos de cristãos: o que confia em Deus e o que confia no que acredita sobre Deus. 

O que acredita que Deus é Deus apesar do que dizemos d'Ele (d'Ela?) e é maior do que o escopo que a Bíblia apresenta não tem grandes dificuldades de dialogar com outras áreas de estudo e questionar sua fé quando essa é dissonante. Ele não se sente pessoalmente ameaçado, por exemplo, pelo ateísmo, porque não tira sua convicção primeiramente daquilo que pode racionalizar nem sente seu Deus esvanecer quando tem sua cosmovisão contestada. É o tipo de cristão que os cristãos torturaram por falta de convicção. Esse crê que Jesus ressuscitou dos mortos e sabe que, graças a Deus, não estamos no comando da redenção. Ele sabe que a salvação humana não depende de eu entendê-la ou professá-la, mas de Deus concedê-la. Um cristão assim convicto não se ilude com a ideia de que a teologia é uma ciência. Longe de mim desmerecer a teologia cristã, mas ela é um exercício imaginativo e especulativo: uma tentativa filosófica de fazer sentido da literatura religiosa judaico-cristã - entendo teologia não como o estudo de Deus, mas como o estudo de como nós entendemos Deus. Se esse primeiro tipo de cristão chegar no céu e descobrir que Deus salvou todo mundo e que nós entendemos tudo errado a respeito desse negócio de inferno, ficará muito feliz. 

O outro tipo de cristão é aquele que acredita no que acredita a respeito de Deus. Esse confia e defende em seus sistemas expositivos e manuais de entender como Deus funciona. Ele precisa da validação de sua crença por outros. Ele literalmente acha que Deus é como seus manuais dizem que Deus é (que predestina esse para cá e aquele para lá, que funciona assim com o Filho e assim com o Espírito, que quis isso naquela época e isso nessa, etc.) Deus, para ele, é um conceito a ser defendido; uma ideia de divindade de onde tira sua paz. Questione essa ideia e tire sua paz, é assim que ele funciona. Duvide de seus escritos considerados sagrados e tire seu chão, é assim que ele reage. 

Esse segundo tipo de cristão é o que tem mais medo do inferno. Para ele, o inferno não apenas é um lugar real e terrível, mas o destino da grande maioria (massa damnata) daqueles que não concordam com sua maneira de pensar em Deus. E se ele não se cuidar em ter as opiniões certas a respeito de seu Deus, certamente terá seu destino junta à massa. O medo da ira divina é seu combustível de fé. É esse tipo de cristão que tinha medo de literatura e organizou fogueiras públicas para queimar livros - e às vezes autores. Irmãos assim ainda acreditam demais na capacidade humana. Na prática, são pelagianos com o coração perturbado de Agostinho. Apesar de afirmarem que salvação não é por obras, vivem como se o fosse, sempre no pavor de cometer um crime de pensamento que danará sua alma eternamente. Esse campo de irmãozinhos nossos está cheio de ídolos, ou como o mundo conhece, taboos. Universalismo? Nem pense nisso! Bíblia? É perfeita sim! Inferno? Não toque nisso! E só para informação, se você está pensando que sou liberal por levantar essas perguntas, irmão, você provavelmente está descrito nesse segundo parágrafo. 

Acredito que um dos objetivo nessa jornada de aprender a ser como Jesus foi é deixar morrer no deserto de nossas vidas todos os ídolos que cultuávamos no Egito de nosso coração; deixar de lado toda construção religiosa humana a respeito de Deus e aceitar a revelação de Deus em Jesus - e isso não quer dizer necessariamente apenas no cristianismo. Não me entenda mal, sou cristão, afirmo o Credo Apostólico de cabo a rabo, mas lá não diz nada sobre muita coisa considerada ortodoxa. 

Como cristão escrevendo para cristãos, peço que haja menos medo do inferno de Deus e mais amor ao amor divino. Se você é cristão, não tenha medo de ler, assistir e consumir aquilo que não é cristão. Vá fundo em tudo aquilo que é belo e virtuoso, sendo cristão ou não. Você não dará contas ao cristianismo, e sim a Jesus. 

Guilherme Adriano

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