E o que Salomão diria?

Uma década conversando, debatendo e aprendendo religião depois, já vi, ouvi e presenciei muita coisa. Mas ainda me surpreendo quando alguém vem contar como inventou a roda espiritual ou descobriu o fogo divino e finalmente chegou a Deus por vias que Jesus ensinou não andar. Claro, fico com o pé atrás. Fico com o pé atrás porque me parece, como já escrevi há anos atrás, que tudo vale, menos o que Jesus ensinou. Eles me dizem que para transcender, experimentar Deus, amor, ser curado, etc (o que não é novidade para o cristão), devo fumar isso, tomar aquilo, visitar tal-tal, regredir tal-tal-tal, conversar com fulano, orar com beltrano, sacrificar x, ofertar y, comparecer a evento z, seguir essa dieta, respirar dessa maneira, esvaziar a mente disso, encher a mente daquilo, pagar essa penitência, orar tantas vezes e com tais palavras, etc. Enfim, é tanta burocracia espiritual que me canso só de ouvir. Um Deus que necessita de rituais de transcendência para ser acessado é um Deus que ama pouco, pois não ama o suficiente ao ponto de nos aceitar como somos e vir aonde estamos. Há pouco conversei com um colega querido que me recomendou o uso de chás para experimentar cura interior e autoconhecimento. Não descartei a possibilidade da coisa funcionar, afinal, muitas substâncias podem deveras abrir a percepção para outras realidades. Mas, por Cristo, por que ia pagar por algo que tenho de graça? A experiência que muitos emulam com substâncias tenho de graça há uma década (em relacionamentos humanos e divino). O uso de substâncias na religiosidade é muito antigo. Mesopotâmicos, Chineses, Gregos, Indianos, índios, a lista vai longe, todos usaram com propósitos religiosos. Chegaram lá? Talvez. E se chegaram, pessoalmente falando, não gostaria de chegar lá também no estado em que chegaram. As experiências que conheço pessoalmente aconteceram mais ou menos assim: usaram, chegaram, e uma vez lá, descobriram que os filhos de Deus já estavam lá há tempo sem precisar de nada daquilo e ainda levaram uma  bronca de Deus por irem a Ele por tais meios, tendo de abandonar tudo e começar de novo.

Mas, sinceramente, em termos espirituais, usar algo para me conhecer melhor ou alcançar cura seria uma regressão e não evolução. Seria precisamente uma muleta. Um irmão meu querido, depois de experiências com substâncias, chegou à mesma conclusão minha, que usei muito pouco. Outros amigos, que eram médiuns, disseram que entrar no terreno dos alucinógenos não é uma boa ideia; disseram que é mais ou menos como a sedução de Joãozinho e Mariazinha: é bem doce, mas daí se descobre que a casa pertence à bruxa. Se já de cara limpa espíritos enganam com facilidade, imagina em consciência alterada?

Jesus ensinou que a verdadeira espiritualidade começa com a verdadeira fisicalidade e verdadeira sobriedade. Nada de catalizadores, devemos trilhar o caminho da conversão: autoconhecimento, arrependimento, mortificação, novo nascimento e sanificação. Aliás, ainda disse que caminhos alternativos são perigosos e pertencem a ladrões (João 10:1). Espero sempre preferir andar sóbrio, na luz e no amor, do que em consciências alteradas, às escuras e em mistérios. Nada contra quem assim quiser tentar, mesmo, boa sorte e oro por vocês, mas melhor do que se aventurar em substâncias é me conhecer (e a Ele) sem elas. Enquanto se pode mostrar 10, 20 e até 30 que tiveram experiências ótimas com isso tudo, posso mostrar 40, 50 e mais que disseram que no começo é ótimo, mas depois ...

Na verdade, a espiritualidade de substâncias alcança exatamente o mesmo resultado da espiritualidade psicológica que vemos em cultos de massa neo-pentecostais. É catarse. Indução a estados alterados de consciência que geram sensações de expurgo e alívio. Não dura muito e o efeito vicia. O veículo (a substância ou o culto) logo se torna o remédio em si e o deus que se busca. O que se acaba buscando em doses de espiritualidade assim é a sensação de Deus, e não Deus em si. A longo prazo, acostuma o usuário a criar ídolos de sensações. É o tipo de armadilha que o cristão aprende a reconhecer logo. A diferença entre a espiritualidade de muitos neo-pentecostais, de xamãs e médiuns é método, só método. Todos ficam de porre e acham que encontraram Deus. Talvez experimentem uma mudança positiva, o que é legal, mas encontrar-se com Deus e se tornar Seu filho não significa ter uma mudança para melhor. Quem acha isso não leu ou não entendeu o que Jesus ensinou. Qualquer um pode se tornar uma pessoa melhor. Lewis já nos alertou sobre o erro de achar que o propósito da religião, e o papel de Deus, é melhorar a pessoa. Melhora moral não significa proximidade de Deus.  

Espíritas, espiritualistas e animistas são, de certa maneira, assim como muitos cristãos de tradição católica, filhos da espiritualidade platônica. Não digo isso com nojinho de Platão ou preconceito, mas com pesar. Essa espiritualidade distanciou Deus do mundo e criou uma dicotomia que ainda é lente exegética dessa gente toda: existe o lá e o aqui, o sagrado e o profano, a matéria e o espírito, etc. Essa separação toda existia, de acordo com Jesus, mas foi destruída com Sua morte. A separação que existia deixou de existir (o reino vem a nós). A morte morreu (há a ressurreição). O véu rasgou (Deus passa a habitar em nós). As coisas celestiais são nossas (vida eterna, amor divino e perdão). E tudo isso de graça, basta abrir mão da independência espírito-existencial. 

O cristão tem o privilégio de experimentar da total e completa e legítima espiritualidade de Deus sem seção espírita ou invocação ou transcendência alguma, graças a Deus! 

A cura da alma vem do arrepender, confessar e se reconciliar, não de substâncias alucinógenas. A presença de Deus vem com a oração de um coração humilde, não do misticismo. O mundo espiritual vem por vários meios, é verdade, mas o reino de Deus e Sua presença, só da maneira que Jesus ensinou mesmo. 

Não há nada de novo debaixo do sol, diria Salomão. Sempre haverá uso de algo para transcendência. Mas também sempre haverá Jesus dizendo: tsc, tsc, tsc, pra quê? é só orar, cara ... é só orar. 

Guilherme Adriano

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