Minha Casa Minha Vida

Isso aqui é o relato da minha vida com o Papai, Ábba (אבא), então contenha o seu Toddynho e não venha encher o saco nos comentários, pois esse texto não é para discussão, é para minha família (de fé e de sangue, #cristãosentenderão) e para mim. Olha, traduzir experiências, de oração e vivência, em palavras é tão fácil quanto fazer um filme do Homem Aranha que agrade a todos: fóda[1]!

Acho que depois desse texto se você for ateu, vai me achar um idiota. Se for cristão, vai me achar chato. Se for de outra marca religiosa, vai me achar cabeça pequena. Se me conhecer, vai entender que escrevo para outros me acharem um idiota, chato e de cabeça pequena.  

Há muito tempo, numa galáxia muito muito distante (Timbó, na casa do Thomi) estava com amigos conversando de espiritualidade (surprise, surprise!) e bobiças que uns acham ser Ábba quando uma menina me retrucou por ser muito teórico. Aquilo que disse foi direto no meu coração como um “hey, menos teoria, mais espiritualidade!” Hoje, conversando com a mulher no carro, aconteceu a mesma coisa (não pela boca dela, mas...enfim). Essa reputação sempre me perseguiu. Que bom. Gosto de ouvir isso, todo professor sabe que quanto mais letrado se é, mais complicado é de se enganar. Acredita que já me encheram o saco por ter lido a Bíblia toda mais de uma vez? Pois é, fiquei pasmo também. Acho que o mí.ni.mo que alguém que abre a boca para falar de Ábba deve fazer é ler os relatos d’Ele e de Seu Filho (יֵשׁוּעַ) no novo testamento.

Mas essa leitura toda (a da Bíblia, wow, so read, much words, very bible!) me ajudou a distinguir entre experiência com Deus, com espíritos, com a natureza, com a arte, com os outros e comigo mesmo (são as categorias fenomenológicas que uso para me avaliar). Um neófito (termo robusto e chique da teologia para dizer noob) pode interpretar as cinco como sendo apenas uma. Já vi muita igreja pentecostal dar aos fieis experiências lindas com outros fieis, e eles acharam que foi com Ábba. Andei com muito maluco-beleza que acha que fala com Ele, mas fala consigo mesmo nas suas viagens. Conheci espiritualistas que se acham o Serginho Grosman do mundo espiritual, mas que de fato batiam altos papos com uns espíritos de procedência duvidosa. Conheci (I have known, é Present Perfect aqui!) cristãos demais que, em retiros, experimentaram a beleza da natureza e da arte e confundiram seus encantos com experiências espirituais com o Criador. Eu mesmo já passei e passo por todas essas etnias de traquejos ainda.

Sim, já me comovi em cultos e achei que era Deus. Sim, já fiquei doido e achei que era Deus ... e também o diabo. Sim, já entrei em transe contemplativo e dialoguei com minha psique a ponto de achar que era o Espírito Santo. Sim, já me encontrei com espíritos (mas foi fácil ver que não era Deus, eles ficam meio bravos com a ortodoxia de Jesus). E sim, já tive experiências profundas e legitimamente espirituais com o Criador, meu Papai, Ábba.  

Mas esse tipo de coisa não se sai por aí contando para todo mundo e se gabando de ter conseguido o que Morrison não conseguiu, que foi break on through to the other side. Quem faz isso é quem quer fama de superespiritual, e não vai ser eu o infeliciano que vai ficar apontando nomes, porque macedo ou mais tarde, a máscara cai.

O que posso dizer de certeza de experiências legítimas e espirituais com Papai é que a marca de sua legitimidade é o fato de não serem apenas ou completamente espirituais. Não precisamos fugir do mundo para encontrar Deus. Ele transcende nossa realidade, mas não é ausente dela. Esse é o erro em que caem os que buscam Deus apenas no númeno ou no fenómeno, no mundo platônico ou no aristotélico, no espiritual ou no material. O que aprendi lendo e observando a vida dos grandes (que foram os que sabiam que eram pequenos) é que a vida espiritual começa, se instala e se torna parte da vida física, transformando o coração contatado em um coração mais parecido com o de Jesus (o da Bíblia, não o da sua opinião).  

Consigo afirmar vinda de Ábba a transcendência que resulta em caráter e coração bom (bons frutos). Já ouvi e conversei com cada um que deu dor de estômago, pois enquanto falavam de luz, pureza e amor se rodeavam de sujeira, vícios e arrogância. Fica meio difícil acreditar em pureza pregada com hálito de vodca, sabe. Certamente as experiências daquele guru a que me refiro foram legitimamente espirituais, mas não de Ábba. Yeshua avisou que nem tudo que brilha é ouro. Ele bem disse que haveria espiritualidade intensa no mundo, mas nem toda seria de Adonai. A experiência espiritual com Adonai é como a experiência que temos com o sabonete: limpa e todo mundo percebe.

Também aprendi que Deus veio até nós precisamente porque nunca chegaríamos até Ele. Quer tentar, tente. Quer tomar, fumar e usar o que quer que seja para contatar o outro lado, vá fundo. Boa sorte. Você vai chegar a algum lugar, aposte nisso. Você vai conversar com um monte de seres, aposte nisso também. Mas Ábba não estará entre eles. Papai, porque é amor, ensinou um jeito mais fácil. Ele disse assim, “dê meia volta e vem falar comigo em oração.” LoL. A parábola do filho pródigo conta a história de um filho que conseguiu reconectar-se com o pai. Como fez isso? Dando meia volta, no coração e no caminho, e voltando. A transcendência começa ali! Sem meia volta, no coração e no caminho, não importa a velocidade, intensidade ou sinceridade da caminhada, ela acaba no lado em que Ábba não está.

Outro ponto importante é o tipo de experiência que se busca. Acho que todo mundo com que conversei quis uma experiência, um evento, um momento com Deus. Mas conto em duas mãos os que conheci e O quiseram em suas vidas o tempo todo. A diferença é grande entre esse tipo de gente. O primeiro quer Deus por uma noite, o segundo quer Deus em casamento. O primeiro quer experimentar Deus pelo mesmo motivo que experimenta montanhas russas, adrenalina. O outro quer experimentar Deus pelo mesmo motivo que experimenta sapatos, encaixar-se a ele. Todo mundo quer um evento com Deus, é empolgante e dá muita história para contar e do que se gabar. Mas poucos querem Deus em seus momentos de tentação, tristeza e erro. Uma experiência constante e legitimamente espiritual com Ele é, na minha experiência, aquela que começa e é guiada por um coração que busca se moldar ao do Papai, e não moldar o do Papai a si.

Dica de mestre #56: abandone o dualismo grego (espírito x matéria) e recupere o dualismo hebreu (vontade de Deus x vontade do homem). Essa mudança de paradigma muda tudo. Enquanto tivermos como ponto de partida da transcendência o transcender em si, continuaremos nos relacionando com coisas espirituais como ocultistas e xamãs tentando contatar o além. Veja a diferença: o cristianismo helenizado diz que há coisas santas e coisas profanas, lugares santos e lugares profanos, gente santa e gente profana. Conclusão, use, frequente e conviva com gente e coisas santas. Essa paranoia cria uma doença que conhecemos muito bem: coisas do mundo (rock, discoteca, homossexuais e cerveja) e coisas de Deus (louvor, igreja, crentes e suco de uva). O cristianismo hebreu (engraçado usar esses termos, gostei) ensina que há apenas coisas e duas maneiras de se relacionar com elas, uma boa e virtuosa e outra ruim e viciante. Na primeira visão, o mundo, do qual não devemos fazer nem tomar parte, é um substantivo (coisa), na segunda, o mundo é um advérbio (maneira de usar coisas). Na visão doente do cristianismo, você deve evitar certas coisas, lugares e pessoas por serem contaminadas e, se devotando ao asceticismo e oração, você transcenderá ao mundo espiritual. Na visão original do cristianismo, você deve evitar jeitos de se relacionar com pessoas e coisas e, reaprendendo o que é viver sem “ser dominado por nada enquanto tudo lhe é permitido”, transcenderá a carne (vontade humana) e o mundo espiritual se instala e faz parte da sua vida cotidiana. #parágrafocomplicado@lêdenovo.tambémmeperdi.br

Transcender não é sair daqui e chegar lá. Transcender é mudar o coração, daí o lá vem aqui (o reino de Deus vem a nós). Transcender é finalmente se tornar totalmente humano e reconectado a Deus. Na visão grega, a gente deixa a carne (o corpo), nossa a prisão, e chega à realidade última, espiritual através do conhecimento e prática da virtude. Na visão hebreia, a gente deixa a carne (a vontade humana rebelde), nossa maldição, e a realidade última, espiritual vem a nós através da fé e prática do amor. Isso quer dizer que para experimentar Deus e se relacionar com o mundo espiritual de uma maneira mística, devemos começar com mudança de coração e fé. Diria assim, que o portal ao outro mundo está em nossos corações: reajuste-o às coordenadas de Deus e ele abre passagem.  

Em minha caminhada, tive altos e baixos, momentos mais e menos espirituais, mas toda ela tem sido uma experiência com Papai. Desde meus 18 venho mudando, crescendo e me relacionando com Ele. Houve momentos em que tive experiências comigo mesmo (me descobrindo como ser humano), momentos de inspiração pela arte e pela natureza (que arrancaram de mim sentimentos lindos), de diálogo com seres (que não quero mais ter!) e de transcendência (que só consigo descrever em termos culinários).

Não dá para provar nada do que vivi e vi, esse tipo de coisa é mais profundo que os simples mecanismos da ciência. Não consigo expressar em termos teológicos, a experiência cristã não cabe neles nem pode ser sistematizada. Não posso converter ninguém de outra religião com meu discurso, porque não é meu discurso, mas minha vida que prega em quem creio. E a quem me conhece, bom, vocês sabem quem era e quem sou, isso basta.

Guilherme Adriano
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[1] Para mim, “fóda” tem acento sim!  

Comentários

Anônimo disse…
Em alguns trechos me perdi, mas confesso que me impressionou. Diante disso acho que tenho que me converter de novo. O meu relacionamento com Deus consiste no pedir e agradecer e isso O torna absolutamente distante e impessoal