Deus e as artes

O que ensino há 12 anos como professor (que as artes auxiliam na aquisição e aprendizado de uma língua estrangeira ), também digo como aspirante a teólogo, que as artes auxiliam na compreensão da teologia e relacionamento com Deus. O fato é que depois da experiência cristã, nenhum filme, livro ou música é apenas um filme, livro ou música (Sim, Orígenes vive!) 

Ontem mesmo, assisti ao filme Interestelar, e por causa dele, minha noiva teve de me aguentar por uns 20 minutos falando no carro dos paralelos entre o filme, a Bíblia e a metafísica cristã na soteriologia (e bem-aventurado é o varão que, como eu, encontra uma varoa que se diverte com tais assuntos!) 

Filmes de ficção científica, livros de fantasia e músicas ajudam a criar o imaginário teológico. Em outras palavras, fica mais fácil tentar entender o relacionamento de Deus, na eternidade, com nós, no tempoespaço, depois de se assistir a filmes como Interestelar, A Origem, Looper, De Volta Para o Futuro, etc. 

Com tristeza, digo que muitos irmãos se limitam ao Grego Koinê e Hebraico do novo testamento para tentar imaginar conceitos de eternidade, e não é de se supreender que, com tão pobre imaginação limitada à gramática de línguas extintas, acabam inventando teorias tão filosófica, teológica e cientificamente pobres como determinismos calvinistas e limitações do teísmo aberto. Quem não exercita a imaginação com a fantasia (que é a realidade em outras roupagens!), com a ficção científica (que é a matemática e a física traduzidas em realidade!), com a música (que é a linguagem dos sentimentos transformada em melodia!), adota para si doutrinas tão pobres, tão pobres, mas tão pobres que não sobrevivem à primeira conversa com alguém acostumado a jogar Magic.   

Apenas para citar um exmplo, C.S. Lewis colocou na boca de Aslan, em O Pergrino da Alvorada, que "você deve me conhecer por outro nome em seu mundo". Em As Crônicas de Nárnia, o leitor aprende a imaginar um leão carinhoso, sábio e perigoso. Associando a postura, ferocidade e imponência do leão à sabedoria, gentiliza, carinho e lealdade de um sábio e o amor incondicional do amigo que dá a vida pelo outro à imagem do Salvador, Jesus. Fica mais profundo o entendimento de que Jesus é o Leão de Judá, o Cordeiro de Deus, o Grande Conselheiro e o Deus forte depois de ler e assistir a Aslan interagir com Lucy e seus irmãos. A criança que, lendo Nárnia, se apega a Aslan e seu carisma, não vê grandes dificuldades de quando mais velha projetar uma personalidade semelhante no Jesus a respeito de quem lê no novo testamento e que aprende ter sido a fonte de inspiração para seu Aslan. Os sentimentos de gosto e carinho já estão na criança, agora basta aplicá-los a Deus.

Leiam. Leiam bastante, mas não filosofia nem teologia, leiam fantasia. E depois de anos lendo e agora com um imaginário rico e exercitado, dedique-se à leitura da teologia e filosofia. Pois é muito fácil cair em armadilhas doutrinárias (como eu caí!) de pensar que o primeiro sistema coerente e coeso é a mais pura representação da metafísica do Evangelho. O faz de conta vai ajudar a compreender a realidade.

Assistam. Assistam a muitos filmes, mas não quaisquer tons de cinza e jogos mortais, mas a filmes com enredos, personagens e tramas complexos. Filmes que explorem o psicológico dos personagens e seus relacionamentos, que distorçam a espaçotemporalidade, que saiam da realidade cronológica em que vivemos. Assistam a filmes que façam cachorros, vacas, insetos e robôs filosofar como Sócrates e seres humanos se comportarem como computadores com vírus. A trama da telona vai ajudar a lidar com a trama da carne e do osso.

Ouça música. Ouça muita música, mas música de qualidade, não qualquer arroxa ou 'omg, look at her butt'. Ouça música que lhe eleve os sentimentos, que lhe leve para outros mundos, que lhe deturpe a percepção de tempo, que lhe levante os cabelos dos braços e faça palpitar ou lacrimejar. Ouça música que lhe alegre e que lhe entristeça (sim, é importante saber se entristecer sem se deprimir na fé cristã!). Música com compassos polirítmicos, em diferentes contagens de tempo, de diferentes estilos, com poesia, sem poesia, instrumental, a capella e tantas outras ainda. Os entendimentos que vêm dos sentimentos proporcionados por diferentes melodias vão ajudar a entender o que se deve sentir com respeito a Deus, os outros e o mundo. 

A música clássica e o jazz me ensinaram a extrair de meu coração os sentimentos mais serenos, tristes e de simplicidade, que então ofereci a Deus "como sacrifício vivo e agradável". A música me ajudou a dar a Deus meus sentimentos mais bonitos. 

A leitura me ajudou a entender a Bíblia: As Crônicas de Nárnia me levaram a entender a personalidade de Jesus, o psicológico da tentação e a simplicidade da fé de criança que devemos ter. O Senhor dos Anéis me mostrou o peso do pecado na peito daquele que o carregou e seu efeito escravizador e desumanificante. Este Mundo Tenebroso, A Batalha Final e Cartas de um Diabo a seu Aprendiz me ajudaram a compreener o pensar e estratégias do inimigo. O Homem que Era Quinta Feira pintou a perfeita imagem do cético e suas contradições. E tantos outros. 

Interestelar, Homens de Preto III, De Volta para o Futuro, Looper, A Origem, Efeito Borboleta e Lego, o Filme são alguns daqueles filmes que abriram meus olhos à complexidade que é lidar com um ser eterno que se relaciona com seres temporais (adeus especulações soteriológicas de séculos précientíficos!). O Preço Do Amanhã, Ela, Eles Vivem, O Show de Truman e O Clube da Luta me ajudaram a pensar meu relacionamento com a sociedade, tecnologia, bens de consumo e escolhas. 

Depois de anos montando Lego, imaginando mundos, assistindo a tramas e ouvindo e criando melodias, volto ao Evangelho mais confiante no amor de Deus e menos confiante em esquemas doutrinários (Sócrates + Salomão + Paulo = meu paradigma de interpretação da realidade: quanto mais estudo, mais aprendo que não sei, assim, basta-me continuar descobrindo minha pequenez e confiar em Deus que tudo entende. Escrevi sobre isso em mais detalhes aqui, na página 7)

Como professor e teólogo aspirante digo isto: Leiam! Assitam! Ouçam! 

Guilherme Adriano

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