Crise de Fé

O cristão que não passa por profundas crises existenciais certamente não entendeu o Evangelho; não entendeu que Deus é amor e o quanto os homens fazem maldades e por que as fazem. Não falo de crises por ver dificuldade em conciliar a benevolência de um Deus onisciente e onipotente com a maldade do mundo, isso aí é secundário; bom para exercitar o intelecto, mas ineficaz contra problemas reais (em partes entendo o porquê de os Judeus não se preocuparem com teodiceia). Certamente aqui o covarde, para fugir de ter que fazer algo a respeito do problema, diria “mas o que é um problema?” Fugindo da conclusão de que teriam de fazer algo, aqueles que eram contra Jesus tentavam pegá-lo com perguntas difíceis. Jesus desmascarava esse tipo pseudo intelectualidade (também conhecida como covardia) com perguntas simples, “É lícito fazer o bem no Sábado mesmo que isso seja considerado trabalho?”, “Por acaso alguém aqui nunca pecou?”, “De quem é esse rosto na moeda?”, “O que é mais fácil, perdoar pecados ou curar uma doença?”, “Você diz isso por si mesmo, ou foram outros que lhe disseram isso a meu respeito?”, “Por que me perguntas pelo que é bom?”

Quem entende que Deus é amor...não, melhor, quem experimentou que Deus é amor e conhece a si mesmo acaba tendo crises. Faço essa distinção entre saber e experimentar por ser essencial. Saber é uma coisa, experimentar é outra. Conhecer as qualidades do mel é uma coisa, experimentá-lo com leite quente é outra! Conhecer as reações químicas que uma bela xícara de café pela manhã produz em nosso organismo é diferente de senti-las ocorrendo ao tomar seu expresso matinal! Estudar o amor e o perdão como virtudes de uma filosofia nobre é muito diferente de abraçar um pescoço molhado de lágrimas de um amigo que, pedindo-lhe perdão e com voz tremula, diz que te ama.

Embates intelectuais não são crises. Todos têm dificuldades em entender as coisas de Deus, mas só os cristãos têm crises com Ele. A todos os homens é possível a crítica, mas só aos filhos é possível a crise. A crítica vem do abuso. A dúvida vem da falta de conhecimento. A crise vem da paixão (no bom sentido). Quem não conhece não pode se apaixonar (no bom sentido). Só em relacionamentos há crise.

Quem discursa sobre Deus se incomoda e se gaba. Quem busca Deus sofre e se apaixona. Citei com um colega, durante uma longa conversa, que uma questão teológica ou um problema filosófico que diz respeito a Deus não é um problema para quem não crê, é apenas uma curiosidade. Christopher Hitchens, em seus debates com cristãos, sempre dizia “o problema da maldade não é um problema pra mim; eu não creio! É apenas um problema para quem diz que crê num Deus bom!”. Concordo com ele! Isso demonstra que, ao contrário do que muitos dizem, o problema da maldade não é o obstáculo mór à fé, pois se fosse, o cristão, para quem esse problema é realmente um problema, não creria!

Surpreendi-me com a resposta que um colega meu antigo de terceirão, agnóstico, me deu. Depois de uma longa conversa perguntei, “Respondi suas perguntas e você ainda não crê; o que lhe faria acreditar?”, no que ele me surpreendeu dizendo, “Alguma forma de comunicação pessoal com Deus me convenceria.”. O que convence os homens de que Deus nos ama é o que Jesus disse que convenceria: o toque do Espírito e o experimentar Deus. Nada mais. Quem provou mel sabe que mel é doce. Quem nunca provou, pode vir a duvidar de sua doçura. Quem estuda sabe que cafeína pode nos deixar acordados até mais tarde, mas só quem já tomou um porre de café sabe o que é ficar “ligado” a noite toda!

Os philosophes iluministas levantaram boas perguntas e fizeram grandes críticas à igreja. À igreja, e não a Deus (já li muita coisa deles). Culpar Deus pela maldade do mundo, levantar questões sobre aqueles que nunca ouviram o Evangelho, duvidar de Sua existência, duvidar de Jesus são questões que o filho de Deus aprende na primeira série de escola da vida, enquanto outros que não conhecem a Deus gastam sua vida se gabando por terem levantado grandes questões filosóficas a respeito da fé cristã. Não estou menosprezando essas questões muito menos zombando dos de fora que as fazem. Não! Os mais de 80 comentários no post “conversa velha é que faz comida boa”, inúmeros e-mails e minha participação no site “Massacrente” demonstram que tenho me dedicado a dar respostas coerentes a esses assuntos! O que estou dizendo é que essas questões são mais velhas que a Bíblia. Jó e os profetas já levantaram todas essas questões e de maneira até muito mais sofisticada. O escritor Philip Yancey disse que “não só Deus nos dá a liberdade de duvidar, falar mal e questionar, Ele também nos dá os melhores argumentos contra Ele mesmo nas escrituras!”.

Duvidar não é pecado. Soberba é. Ser ignorante não é problema. Gabar-se por ser ignorante é –Chesterton costumava relembrar seus oponentes, que se admiravam pelo seu agnosticismo, da sua não tão atraente etimologia. Quem humildemente reconhece que nada sabe está no caminho do conhecimento verdadeiro, já quem se orgulha de não saber ou evita a resposta para continuar gozando em sua falsa humildade, esse é um coitado. Jesus não tinha problema com pergunta difícil, e sim hipocrisia, religiosidade morta e soberba.  

Um amigo cristão contou-me que Charles H. Spurgeon, um grande pregador e uma das grandes mentes do século 19, disse uma vez a alguém que achava que tinha o posto em um xeque-mate teológico, “se você soubesse as perguntas que eu me faço você teria vergonha de me perguntar isso”. Não estou menosprezando perguntas nem fugindo delas, mas afirmando categoricamente que um relacionamento com Deus suscita perguntas mais profundas a respeito d’Ele que qualquer livro já escrito.

A crise é necessária. A crise indica que há luta, o que seria natural sendo que a Bíblia mesmo fala que haveria (carne X espírito). A crise diz que um ser imperfeito está tentando ser o mais perfeito possível. Aprendi com meu querido amigo Dino, professor de religião e pregador, que quem não consegue pelo menos está tentando, porque quem não tenta não falha. Se não há luta quer dizer que ou o espírito tomou conta completamente ou a carne está nos fazendo dormir na luz – acho difícil alguém ter a coragem de afirmar que o espírito tomou conta completamente.

Crises existenciais são necessárias para o amadurecimento da fé, não canso de estressar o ponto! 

Por favor, àqueles que estão por trás de uma comunidade servindo-a (e não quem está à sua frente liderando-a!), escutem, não tomem seus irmãos como rebeldes por terem dificuldades de fé, dificuldades em acreditar, por estarem bravos com Deus, de até talvez falarem mal d’Ele! Deixe o irmão duvidar! Assista-o no que puder, mas não o reprima! Converse, pense, ore, mas não diga que Deus não tolera dúvida, afinal não está escrito Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor [...]”? Deus sabe lidar com a dúvida, a gente é que não sabe!

Guilherme Adriano

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