Símbolos de fé ou gadgets?




Dois comentários me fizeram repensar a questão dos símbolos cristãos e seus respectivos usos: o deu um ateu e o de um testemunha de jeová. O ateu disse: se Jesus vivendo no século XX tivesse sido sentenciado à execução por cadeira elétrica, hoje em dia garotinhas católicas usariam pequenas cadeiras elétricas ao redor de seu pescoço e igrejas teriam uma grande cadeira elétrica pregada acima do púlpito. [Uma escultura de Jesus numa cadeira elétrica foi exibida num museu do sul da França e, naturalmente, causou muita polêmica e discussão sobre o assunto.] E o outro comentário foi de um conhecido meu que durante uma conversa a respeito de Jesus disse que nenhum assassino, depois de arrependido, gruda um adesivo de uma faca no vidro do carro para demonstrar arrependimento. E então, eles estão errados? Deveríamos dar algum crédito a essas críticas? Creio que sim. Deveríamos repensar o papel dos símbolos na fé cristã e o quão eficientes eles são. Por um tempo até pensei que a cruz não seria o melhor símbolo para a fé cristã, até tinha pensado em um substituto para ela: uma tumba vazia. Hoje já não penso mais assim, entendo a sua relevância. Jesus falava em carregar a sua cruz. Paulo escreveu contra os inimigos da cruz e pregava a mensagem da cruz. Na cruz o mundo foi reconciliado, o pecado punido e o perdão concedido. Certamente a cruz é o melhor símbolo para representar a fé cristã, pois foi em algumas horas numa cruz romana que o nosso Deus, se humilhando, padeceu para nos buscar. Ela representa muita coisa: a depravação do homem, o amor de Deus, o exemplo de sacrifício, o ódio do mundo...etc. 

O que indago a respeito então não é o símbolo em si, mas o seu uso e comercialização. Hoje me questiono se a vontade de Deus era de que nós nos apegássemos tanto a esses símbolos de fé ao invés de somente à fé. Jesus não instituiu símbolo de fé nenhum, nem mesmo os discípulos. John Stott, em seu aclamado livro A cruz de Cristo, escreve que já no segundo século os cristãos gravavam o símbolo da cruz e que “Foi Constantino, [...] quem acrescentou ímpeto ao uso do símbolo da cruz. Pois [...] nas vésperas [de uma] [batalha],[...] ele viu uma cruz iluminada no céu, acompanhada das palavras in hoc signo vinces ("vence por este sinal"). Imediatamente ele a adotou como seu emblema e mandou brasoná-la nos estandartes de seu exército.”. Pois veja, a cruz carrega um significado muito vivo e milenar, mas há uma grande diferença entre pregar a mensagem da cruz e crer no Deus que de lá saiu morto e reapareceu vivo, e andar por aí com cruzes penduradas no pescoço e fixar cruzes à nossas catedrais. Mas ainda esse não é o meu argumento. O que critico é a comercialização desse símbolo e o seu uso por vaidade. Quando o cristão vê uma cruz ele deveria imediatamente ter suas entranhas removidas por saber que lá, numa cruz bárbara e amaldiçoada, o nosso Deus e Senhor padeceu em nosso favor. A cruz deveria ser um símbolo de uma fé viva, de vergonha para os homens e de reverência para os filhos de Deus, e não um rótulo cristão. Mas hoje a cruz é um produto. A maior prova de amor de Deus agora virou vaidade de adolescente evangélico que pendura um chaveiro em forma de cruz à sua mochila para se destacar entre seus amigos. Virou motivo de vaidade de casais que querem mostrar a todos como amam a Deus colando um adesivo ao seu carro. Virou vaidade de internauta que, para enfeitar seu blog, põe um papel de fundo de uma cruz sangrenta. Virou vaidade de bandas cristãs, que para se destacarem, usam cruzes distorcidas nos seus nomes. Virou ganha pão de comerciante de loja de artigos evangélicos. Virou vaidade religiosa de quem tem sua casa rodeada por cruzes pregadas às paredes. Virou amuleto para os supersticiosos. A cruz agora é produto: figurinhas, imagens, esculturas, pingentes, brincos, correntinhas, logotipos, etc., encontramo-la em todos os tamanhos, formatos e cores, e para todos os tipos de públicos e objetivos. Ninguém mais vê problema nisso? Será que é assim que deveríamos estar propagando nossa fé e nos utilizando dos símbolos de fé? Será que sou o único que vejo incoerência no fato de usarmos versículos bíblicos e cruz como enfeites? Por acaso ninguém mais entra numa loja evangélica e fica horrorizado com o número de amuletos cristãos que são vendidos junto ao nome Santo de nosso Deus escrito em letras brilhantes e estilosas que já vem pronto para ser colado? Desculpem-me os irmãos, mas eu não consigo usar um chaveiro de cruz ou uma estatueta na parede do meu quarto sabendo que os mesmos foram feitos na china por pessoas que ganham centavos por dia para ficarem horas a fio confeccionando esses pequenos penduricalhos, e que depois, grandes corporações lucram absurdos quando revendem esses produtos “made in china” para o mundo ocidental comercializar entre a cristandade. Ninguém vê um problema grave nessa troca toda? A cruz que eu tenho em casa e que me traz à mente o evangelho é aquela mesma que foi confeccionada pelas mãos de um pobre funcionário que faz mil cruzes por dia para ganhar menos que um salário mínimo. Será que deveríamos nos cercar de cruzes para que o mundo nos reconheça? Será que precisamos mandar constantes mensagens a motoristas através de adesivos e peixes em nossos carros e correr o risco de, porventura,  ao cometer uma infração no trânsito e ser reconhecido como cristão pelos nossos símbolos, sermos xingados e ter o nome de Deus difamado? Vaidade de vaidades isso tudo é. O mundo ocidental não tem respeito nenhum pelas letras sagradas da Bíblia nem pelos símbolos de fé. Para o homem moderno o que puder ser comercializado será, sempre haverá mercado.

Que o mundo transforma a fé de muitos em mercado não me impressiona, era de se esperar essa total falta de entendimento e respeito do mundo, mas que a cristandade consome os produtos desse comércio é o que me revolta. Estamos tão acostumados com uma sociedade consumista e com a possibilidade de comprarmos tudo aquilo que desejamos que nunca paramos para pensar no que esse comércio realmente significa. E ele significa vaidade. Só vaidade. Se quisermos ser escutados e respeitados, devemos nos mostrar sérios para com cada detalhe da fé que professamos e que cremos ser a resposta para esse mundo. Devemos zelar pela mensagem, pelos símbolos, pelas letras sagradas. Se tratarmos a fé como produto seremos vistos como mercadores, e não cristãos.

Deveríamos pensar duas vezes antes de atirar a palavra de Deus às nossas paredes, vidros de carro, janelas, veículos, cadernos, MSN e Orkut como se fosse um adorno. Entendo os benefícios de termos versículos bíblicos espalhados por todos os cantos e esquinas, mas não entendo como os cristãos podem passar diante deles e permanecer indiferentes.

Se o mundo profanou e comercializou até o corpo, era de se esperar que ele faria o mesmo com os objetos de fé e com as palavras de Deus, o que não entendo é como os cristãos não percebem isso.

Assim, não sou contra o uso de símbolos de fé nem de versículos colados em todos os cantos, mas me perturba saber que esses mesmos símbolos, que compramos e vendemos, são os mesmos que são fabricados por gente pobre e vendidos por gente gananciosa para que gente consumista satisfaça sua superstição e vaidade. Deveríamos repensar nossos símbolos? Talvez, mas definitivamente deveríamos rever o nosso uso de símbolos. Se quisermos ser vistos pelos outros como crentes sérios devemos agir de tal maneira. Se quisermos que os outros respeitem nossa fé, devemos respeitá-la também. Se quisermos que os outros percebam a relevância da cruz e das palavras sagradas, devemos percebê-la primeiro.    

Guilherme Adriano

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