Cada Panela Tem Sua Tampa

Aos solteiros, namorados, casados, de rolo, ficantes, apaixonados, divorciados, separados e outros coitados, escrevo a vocês. Muito se diz, direta e indiretamente, sobre aquele em especial que Deus tem guardado para você; aquele cônjuge que Deus separou para nos presentear. Muito bonito esse teor de pregação, muito esperançoso, mas nada verdadeiro nem bíblico. Aliás, se formos apenas de acordo com o padrão bíblico de relacionamentos, uns poderão ser polígamos, outros deverão incentivar suas filhas ao celibato perpétuo, outros poderão ter casamentos arranjados, e, por final, outros poderão ser heterossexuais monogâmicos que se casam por amor. Mas de todas as maneiras de se começar um relacionamento de que a bíblia fala, a por amor àquele que Deus tem predestinado a você é a única que não está no texto! Simplesmente a bíblia não nos dá motivo para acreditar que Deus tem um esposo para você, leitora, ou uma grande esposa a você, leitor. Isso é a deusa fortuna que faz, não Javé. Isso é trabalho do romano cupido, não do Espírito Santo. Isso é o que o místico destino tem, não Cristo.

O papo de que cada panela tem sua tampa é um papo fatalista gnóstico, para quem tudo já estava predeterminado por Deus que acontecesse da maneira que acontecesse, e o ser humano, mero fantoche da vontade divina, podia apenas sofrer seu lote existencial. Essa ideia fatalista de que não participamos da história e de nosso destino, apenas os sofremos, é coisa de gnóstico e foi refutada lá na igreja primitiva com gente como Clemente de Roma, Irineu, Inácio, Justino, Orígenes e mesmo Agostinho (em sua primeira fase), que argumentaram que Deus nos criou para sermos livres, e que apesar de sermos escravo do pecado, temos a Graça de Deus que capacita e liberta a todo que dela se alimentar.

Portanto, o seu cônjuge não depende da escolha divina, mas da sua – boa ou má – escolha.  O seu relacionamento depende da vontade de Deus sendo feita através de você, e não da vontade de Deus acontecendo a você, entende? A vontade de Deus é que escolhamos bem e nos sacrifiquemos ao outro para fazê-lo feliz. A vontade de Deus, de acordo com Paulo, é a nossa santificação e obediência, e não Fulano-de-tal ou Ciclano-de-tal. Aliás, seria uma tremenda sacanagem da parte de Deus ter uma pessoa específica para cada um, pois bastava um casar errado e um bocado de gente fica sem a pessoa certa. Imagine, se Deus me predestinou a ficar com Fulana, e fico com Beutrana, com quem Fulana fica? Com Ciclano, é claro. Mas Ciclano era para ficar com Fulana-de-tal, e não Fulana! E agora, como fica Fulana-de-tal? Fica para se casar com ... e assim vai o efeito dominó: se Deus tivesse uma tampa para cada panela, bastava uma tampa encaixar na panela errada pra ferrar com toda a cozinha de panelas de Deus. E mais, e se, sim, de fato Deus quer que fique especificamente com Fulana e não damos certo como casal, brigamos, traímos e nos separamos, de quem é a culpa? De Deus que me predestinou a um relacionamento que sabia que ia terminar! Então não dá, esse papinho de que Deus nos dá para pessoas específicas ou que escolhe nosso cônjuge é besteira. Teologicamente, faz Deus um péssimo cupido, biblicamente, não tem base (não, o casamento de Isaque e Rebecca não é assim!), filosoficamente, é uma burrice, enfim, é bobagem em todos os níveis. Não estou dizendo que Deus não se envolve e não guia pessoas compatíveis, auxiliar é diferente de predestinar incondicionalmente, mas isso é outra história.

O que acredito ser uma visão mais madura e correta é o que a bíblia fala de ‘comunhão com as trevas’. Como podem a luz e as trevas andarem juntas? Não podem, ou a luz dissipa as trevas ou as trevas apagam a luz. Todo cristão é luz, todo ímpio é trevas. Desculpe, mas é o que Jesus falou. Todo ímpio é trevas, ponto. Todo crente é luz, ponto de exclamação! Luz-luz, funciona. Trevas-trevas, funciona também. Isso quer dizer que qualquer ímpio pode se dar bem em um romance com qualquer outro ímpio e que qualquer crente pode dar muito certo com qualquer outro crente. Já cristão e ímpio (luz e trevas), pode dar certo a princípio, mas lá pelas tantas, ou o crente vira ímpio ou o ímpio vira crente. Não dá pra ir muito longe de mãos dadas caminhando em direções opostas. Conheço casais em ambas as situações, onde a impiedade de um tomou conta da luz do outro, e onde a luz do outro converteu a impiedade de um.

Todo cristão é, se quiser ser, compatível com qualquer outro cristão (Mesmo o presbiteriano mais frio pode ser perfeito para o assembleiano mais quente!). Para usar o exemplo da panela e sua tampa, digamos assim, todo cristão é uma panela e toda cristã é uma tampa. Já todo ímpio é um pote de plástico. Pode encaixar bem um pote de plástico e uma tampa de panela? Não. A princípio eles até têm muito em comum, ambos são recipientes, ambos podem ser usados para propósitos parecidos, ambos são criados à imagem e semelhança de Deus, no entanto, o tempo vai mostrar que, na geladeira, panela não cabe direito, e no fogão, pote não aguenta.

Não acredito que Deus tenha uma pessoa específica para cada outra, mas um tipo específico de pessoa para outra, entende? Um filho redimido, nascido de novo, pode dar certo com qualquer outra do mesmo tipo. Parece até racismo espiritual, não? Mas não é, é apenas a realidade. Convicções e crenças são essenciais demais e dividem, mais cedo ou mais tarde, pessoas.

O que Deus tem para ti, irmãozinho e irmãzinha, então? Ele tem um tipo específico de pessoa, e não uma pessoa específica. Apesar de Ele saber o que farás e com quem ficarás, Ele não é responsável pela sua escolha. Ele pode guiar, auxiliar e fazer enxergar melhor, mas não vai escolher nem forçar ninguém a te amar.

Nenhum relacionamento está fadado ao desastre ou à vitória pela simples virtude de começar bem ou pelo infortúnio de começar mal. Relacionamentos que começam bem podem terminar em muito pecado. Relacionamentos que começam mal podem terminar em muita benção. Relacionamentos com pessoas espiritualmente incompatíveis podem dar certo conforme ambos se achegam a Deus, assim como os que começam com a mesma fé podem terminar adorando deidades diferentes. Gostaria que a vida fosse mais preto e branco e que houvesse fórmulas para relacionamentos, mas essa bossa de vida é toda cinza e fórmulas para se dar bem no amor servem tanto quanto a operadora Tim em Rio dos Cedros. Não há garantias da parte de Deus fora da obediência. Quem obedece a Deus e honra seu cônjuge, pode, apesar das brigas, ter a garantia de ser super-ultra-mega feliz com seu parceiro. Já quem não, #sólamento.

Mas e pra mim, o que Deus tem? Será que Ele não tem uma pessoa guardada pra mim? Não, uma não, Ele tem várias possíveis. No meu caso, Deus tem todas as irmãzinhas abençoadas com quem queira ter afinidade como uma possível namorada por quem poderia dar a vida e fazer feliz até não aguentar mais. Então quando você se perguntar, ‘mas será que o meu está por aí?’, responda imediatamente a si mesmo, ‘sim, não somente por aí, mas em vários lugares ao mesmo tempo!’.

A vida, disse Forest, é como uma caixa de chocolates, você nunca sabe o que vai pegar. Deus sabe, você não. Mas, para usar o exemplo de Gump, Deus não preparou um chocolate de sabor especial para você, leitor, mas preparou uma caixa inteira em que podes enfiar a mão e tirar o chocolate que lhe agradar. Evite comer da caixa de chocolates do mundo, muito provavelmente vão dar diarreia – ou pela graça talvez não. Busque chocolates de qualidade, mas mantenha-os em lugar seguro, porque podem bichar.

Enfim ... estou com dor de cabeça e quero fazer a barba, termino o texto por aqui. Abraço.

N’Ele que a todos quer e que tudo pode converter à luz, amém.

Guilherme Adriano

Comentários

Cristo Reina disse…
Bom o irmão poderia esclarecer melhor o caso de rebeca??
pois o relato bíblico da conta de que O servo a escolhe por sinal divino e posteriormente Isaque a ama..
E o caso de Adão e Eva??? Onde esta a escolha de Adão até ver Eva já em sua frente, por escolha divina,e a partir daí diz osso do meu osso e carne da minha carne....
Não sei se são casos específicos tão pouco faço deles regra geral mas no caso específico do meu casamento, não dei andamento a ele até ter de Deus a resposta se era de sua vontade..
Gloria Deus por sua vida!!!
Texto bastante esclarecedor!!!
Obrigado, querido.

Então, no caso de Rebecca, lembre que, antes de ir, Rebecca teve de decidir ir com eles ou ficar. Deus escolheu para Isaque uma mulher que Ele sabia iria querer Isaque. Não foi escolha arbitrária, foi presciência.

O grande fator não foi Rebecca, mas o caráter e coração de Rebecca. Isso quer dizer que qualquer outra com a mesma disposição de coração e caráter serviria para Isaque. Não acredito que está escolhendo indivíduos específicos para outros, mas tipos de indivíduos para outros.

Assim que vejo .... Espero poder ter ajudado.