Como
muitos outros textos, provavelmente você não vai ler esse, apenas dar uma
olhada por cima. Que pena, não por não ler, mas por não poder ler – leia e
entenda! Continuação desse.
Já faz
tempo que ando com problemas sérios para orar. Não consigo orar como orava
antes, por quase uma hora, às vezes até horas enquanto andava pelas ruas à
noite – então quem já me viu andando por aí falando sozinho, cumprimentou-me e
não respondi, saiba que estava orando e não prestando atenção ao que acontecia,
logo, desculpa se não disse “oi”!
Mas o
que acontece agora é que mal começo a orar e logo minha cabeça se enche com
vários outros pensamentos, perco o foco e tenho que recomeçar a oração. Isso se
repete algumas vezes até desistir e ir pra cama. Outras vezes me ajoelho,
começo a orar e, ó raios, pego no sono! Mas não por estar com sono nem de cansaço
mental, mas falta de foco, mente dispersa.
Mas que
diabos, por que não consigo mais prestar atenção como antes fazia? O que houve?
Por que minhas orações geralmente acabam em delírios com minha mente sonolenta e
raramente seguem uma linha? Algumas respostas encontrei na leitura de Geração Superficial, de Nicholas Carr, e
Mídia Sem Limites, de Todd Gitlin,
ambos os livros recomendo na página Livros
recomendados. (Sério, gente, leiam esses livros!)
O
padrão que tenho percebido é que conforme meu uso da internet aumenta, minha
habilidade de focar diminui. Pensei que era só coisa da minha cabeça isso, até
fazer essas duas leituras e ter um semestre de neurociência. Quando tinha recém
me convertido, não tinha facebook nem blog, minhas leituras eram todas em
livros e meu lazer encontrava na música e andar de bicicleta por aí. Conforme
minha vida foi passando para o mundo digital, tudo isso começou a mudar e minha
concentração, seja para leitura ou para oração, bye-bye. Passei a orar menos, e
não por falta de tempo, mas por não conseguir me concentrar, segurar um único
pensamento em minha mente e desdobrá-lo associando-o ao dia que se foi enquanto
puxava da memória versículos. Chama-se isso de pensamento linear, uma habilidade
cada vez mais rara em pessoas jovens, e que, neurologicamente falando, está em
perigo de extinção.
O uso
excessivo da internet acostumou meu cérebro a estímulos rápidos e efêmeros, o
que acaba criando o que Carr descreveu de “cérebro malabarista.”, isto é, uma
mente que segura até no máximo sete pensamentos diferentes ao mesmo tempo
superficialmente. Isso quer dizer que posso falar no facebook, escrever um
e-mail, assistir a um vídeo no youtube, participar da aula, pensar no que vou
comer depois e conversar com um colega enquanto reclamo da vida. Claro, não
dedicando sequer metade da atenção a apenas uma dessas tarefas. Isso não é algo
de todo ruim, no entanto, essa hiperestimulação está, neurologicamente falando,
reprogramando nossos circuitos neurais e cimentando o hábito da dispersão. Assim,
o internauta em geral, como eu, é alguém que é acostumado a focar pouco e
superficialmente em atividades que requerem pensamento linear. A tecnologia que
uso cria estruturas neurais novas e torna obsoletas, infelizmente, outras que
uso para me concentrar e pensar profundamente.
Ironicamente,
quero advertir os leitores desse blog, como já fiz outras vezes, da leitura na
Net, como professor, e para fins de edificação espiritual, como cristão!
“Interrupções frequentes dispersam nossos pensamentos, enfraquecem a memória e
nos deixam tensos e ansiosos”, escreve Carr. E, citando um professor de
psiquiatria, escreve que “A corrente explosão de tecnologia digital não está
somente mudando a maneira com que vivemos e nos comunicamos, mas está rápida e
profundamente alterando nossos cérebros.” Por que não consigo mais orar tão concentradamente?
Porque estou treinando meu cérebro a ser distraído! Como mudar isso? Bom,
segundo minha professora de neurociência, através de novos hábitos tão repetitivos
como os de navegar na Net – joelho no chão e amor no coração!
Essa
hiperestimulação não se restringe à internet, ela predomina nosso estilo de
vida. Começo pensando em minha rotina digital. Durante o processo de abrir o
navegador, entrar no Google, digitar e pesquisar um tópico de interesse,
abri-lo e começar a ler, já me deparei, inconscientemente, com no mínimo uma
dúzia de propagandas que, por pelo menos uma fração de segundo, roubaram meus olhos
do objetivo e inundaram minha mente com números, imagens e mensagens. Tudo isso
contribui para a pouca atenção. Agora vamos sair do computador, pense que estás
dirigindo para o trabalho. No caminho, o que vê? Carros com adesivos, placas,
outdoors brilhantes, letreiros, anúncios, pichações, especificamente em época
de eleição, pessoas com bandeiras e distribuição de panfletos, etc., sem
contar, claro, o rádio ligado canalizando mais informação, barulho, propaganda
e música. Isso quer dizer que enquanto dirige, sua mente está sendo bombardeada
por mensagens, e ao chegar ao seu trabalho, você já teve contato com mais
imagens e sons que uma pessoa há dois séculos teria em um mês. Mas não é só
isso, pense num shopping – aliás, estou num agora mesmo! Vitrines, roupas,
anúncios, músicas, cores e cores, cheiros, espelhos, TVs e computadores
anunciando e luzes criam um ambiente de euforia e consumismo de ideais, bens e
estilos de vida. Se isso já não fosse o bastante, há os que, como eu, andam por
ele escutando música alta! Pense na faculdade, na escola, enfim, mesmo as
igrejas se tornaram lugares de inquietação, de euforia.
Momentos
de silêncio e descanso aos olhos e à mente não só não são muito desejados, são
também difíceis de conseguir. Depois de um tempo, a mente se acostuma e se
adapta à constante interrupção de pensamentos específicos causada por distrações.
O que isso faz em nossos cérebros? O que não deveria, creio: cimenta o hábito
da distração e, devido a isso, perdemos a capacidade de concentração em
atividades que requerem atenção linear prolongada. Assim, concentrar-se em uma
oração por mais de 5 minutos se torna um suplício, ler causa sono, prestar
atenção no professor e participar do debate de um assunto apenas é uma tarefa herculana.
Mas foi
na leitura do livro A História do Ateísmo,
de Georges Minois, um tijolo de mais de 700 páginas, que encontrei o que
aconteceu comigo e com as últimas gerações de cristãos:
O advento dos prazeres em massa representou um papel essencial: a
imprensa de maior tiragem, o cinema, o futebol, a televisão rapidamente
mobilizaram o dia do Senhor, outrora estritamente reservado à piedade e ao
descanso. De um modo geral, a sociedade de consumo e de abundância
relegou Deus para o plano dos acessórios ultrapassados ou até de último
recurso. [...] A forma de vida urbana, com as suas solicitações permanentes de
atividades, cavou o vazio existencial no conjunto da população, um vazio que
era muitas vezes a abertura para o sobrenatural. [...] A ideologia do consenso,
o humanismo democrático laico, depois de ter assimilado os grandes valores
humanos e cristãos, espalha um clima suavizante que adormece a procura do
sagrado. – p. 692.
O que aconteceu com minha vida de oração, meditação e
comunhão? Enforquei-as aos poucos com os cabos da internet e a caridade troquei
pelo hedonismo. Reprogramei-me a pensar e a responder à vida de outra maneira e
a vê-la sob outra ótica, a da superficialidade e da correria. Pra salvar minha
alma dessa torrente de anestésicos espirituais tenho que dar o fora enquanto
ainda consigo reconhecer que estou em apuros.
E que venha o jejum da internet!
Guilherme Adriano
Comentários
Tenho pregado às vezes no círculo de oração dos irmãos que frequento, e apesar de haver bons sites/blogs cristãos (como o seu); não adianta; ainda é preciso "cavar" temas no estudo/meditação da Bíblia e joelho no chão!
Abraços.
Que Deus continue te abençoando! Abraços. Paz
Por vezes sinto vontade de me trancar em uma cabana e me esvaziar de tudo que me distancia de Deus e me encher cada vez mais da presença dEle. Então é por isso: "Que venha o jejum"!