Maldade em comum



Hoje de manhã fiquei sabendo, através de uma de minhas alunas, a respeito da mulher que foi filmada deixando seu bebê em um lixão. A notícia em si não é nada nova, já ouvimos muitos casos assim no Brasil, a diferença é que este foi filmado, e o que espanta é ver a frieza com que a mulher agiu. O caso do atirador do Rio e dessa mulher (ambos filmados) perturbam a alma muito mais do que o do terremoto no Japão. Como já comentei antes, as vítimas do terremoto foram acidentalmente mortas, enquanto as do atirador foram intencionalmente assassinadas. A natureza é inconsciente, não planejou nem desejou matar suas vítimas, já o atirador sabia o que fazia. O terremoto foi uma tragédia, mas a chacina foi maldade.  Se eu fosse pai, seria mais fácil superar a perda trágica de minha filha para o terremoto do que para o massacre da escola do Rio. A tragédia do Japão assusta, a do Rio revolta. Fiquei perplexo ao ver aquela onda gigante arrastar tudo em seu caminho, mas tive ódio de ver aquela mulher, friamente, jogar um ser humano no lixo e medo e revolta ao ver o atirador, cruelmente, entrar naquela sala de aula. É da vontade humana que eu mais tenho medo.

O cristão é aquele que quando sabe de casos assim deveria orar “Senhor Jesus, tem misericórdia de mim e me transforma, porque se eu estivesse no lugar e sob as circunstâncias daquela mãe ou daquele atirador eu teria feito a mesma coisa!”. Sim irmãos, teríamos feito a mesma coisa. Aquele que diz “eu nunca faria isso” ainda não entendeu que há algo em comum entre nós e aqueles dois assassinos: maldade; a diferença é que eles alimentaram e deram vazão a ela, enquanto nós, pela nossa criação, aprendemos a refreá-la, mas todos nós compartilhamos da mesma maldade. Sob tais circunstâncias e influências teríamos feito a mesma coisa. Você e eu seríamos capazes de descarregar uma arma na cabeça de crianças sim! Você e eu teríamos a coragem de jogar um ser humano no lixo sim! Quem não compreende seu potencial para a maldade não sabe nem consegue adorar. Só depois que eu compreendo do que fui salvo é que posso ser verdadeiramente grato. A mesma maldade que levou aqueles monstros a fazerem aquilo habita em nossos corações e corrompe a nossa vontade todos os dias, apenas em menores proporções.

Podemos dizer que a Bíblia descreve o coração do homem como um solo e a maldade como semente. Se adubada e irrigada a semente cresce e se torna árvore, e essa, se podada, dá frutos. É assim: se irrigarmos as sementes de maldade que há em nós, elas se transformarão em árvores, darão frutos, alimentarão mentes e produzirão morte. É apenas uma questão de tempo suficiente e solo propício. Mas assim como nenhuma semente cresce e dá o seu fruto da noite para o dia, também a maldade de nossos corações não se manifesta inteiramente a princípio, mas na medida em que a cultivamos. Então dificilmente alguém sairia matando e estuprando num primeiro momento. Não. Primeiro se aprende a gostar da morte e do adultério para depois matar e estuprar. Primeiro se flerta com a morte e o adultério disfarçados (de entretenimento, de sabedoria, de religião, etc.), para só depois de um longo cortejo assumir um relacionamento íntimo com essas maldades, e, assim, ter coragem de dar o próximo passo que é matar e estuprar. Apenas depois de darmos espaço e liberdade a pensamentos de violência e adultério é que eles se transformam em atitudes.  Segundo Jesus, antes de chegar às vias de fato, cometemos e cultivamos o pecado em nossos corações. Então é natural esperar que aquele que constantemente aduba o solo de sua mente com imagens, sons e ideias de maldade venha a ter sementes de destruição florescendo de seu coração produzindo morte.

Aprendemos com as manchetes de jornais americanos que alguns jovens antes de entrarem numa escola ou cinema atirando em pessoas reais, eles gastaram muito tempo na frente de um vídeo game matando pessoas virtuais. Também aprendemos com o noticiário que por trás de um pedófilo ou de um estuprador há muitos gigabytes de pornografia. Estou estabelecendo um link entre jogos violentos e assassinato, pornografia e pedofilia? É claro que estou! Isso não quer dizer que todo aquele que joga se torna assassino nem todo aquele que se entretêm com pornografia se torna pedófilo, mas os links existem e já foram demonstrados várias vezes.

A criatividade humana foi pervertida pela maldade, dando assim à luz o entretenimento macabro, que por sua vez seduz, cativa, e, às vezes, induz indivíduos à prática da maldade. Há uma pergunta bem conhecida, “a arte imita a vida ou a vida imita a arte?”, para a qual minha resposta é uma segunda pergunta: mas quem veio primeiro? Obviamente a vida veio antes da arte, portanto a arte imita a vida. Se a violência vende é porque o ser humano é violento. Se a pedofilia vende, é porque o ser humano é pervertido. Não é a sociedade que corrompe a pessoa, e sim as pessoas que corrompem a sociedade e a sociedade, depois de corrompida, influencia as pessoas. É uma retroalimentação. E mesmo que você concorde com a ideia de que é a sociedade que nos corrompe, mesmo assim você está culpando o ser humano, pois a sociedade não é nada mais do que um grupo de pessoas.

A maldade que nos assola não é uma entidade que anda em nosso meio e que pode ser destruída, mas sim uma escolha; uma tendência; uma força que perverte a nossa vontade e que habita e age em todos nós. Então repare que a maldade que levou o maníaco do parque a estuprar e matar é a mesma que nos faz mentir, apenas mais exercitada. O que fez Hitler ser o mostro que foi  também está em nós, apenas em diferente nível. O autor C.S. Lewis argumenta, em seu livro O problema do Sofrimento, que “quanto melhor for o homem, mais ele reconhecerá que é mau”. E o jornalista inglês Malcolm Murdgridge uma vez disse, “A maldade é o fato mais empiricamente verificável e o mais intelectualmente rejeitado”. Isso não quer dizer que todos nós somos tão terríveis quanto aqueles que citei, mas que esse potencial está em nós, e o simples fato de carregarmos essas sementes de maldade é motivo suficiente para que necessitemos de uma transformação profunda e tal que apenas Deus pode operar –através de Seu Filho e pelo poder de Seu Espírito.

A maldade é patrimônio histórico, é algo que nos pertence por direito.

O homem nasce mau, mas não fazendo maldades. E assim como os adultos, as crianças também são más. Uns até talvez achem que estou exagerando ao dizer isso, mas, sinceramente, quem diz que a criança é pura, no sentido de bondade, não tem ou nunca conviveu com uma. Elas são inocentes, mas não no sentido de que não fazem nada de errado, pois elas fazem (e muito!), mas no sentido de que ainda não possuem maturidade suficiente para entender que o mal é mau e portanto deve ser evitado. Então, sim, são inocentes, mas não, não são boas. Crianças são egocêntricas, egoístas, mentirosas, interesseiras e rebeldes. Você acha que estou exagerando? Há pouco tempo uma revista publicou um artigo, não me recordo qual porém, onde pedagogos, muito provavelmente, traçaram o perfil mais comum de crianças, e creiam-me, a lista deles era muito maior e mais chocante que a minha. Crianças mentem – e muito; enganam; chegam a maltratar animais sem sentir remorso; agridem outros por não terem suas vontades satisfeitas; jogam a culpa no outro sempre que possível, e muitas outras coisas que poderia comentar. Mas para provar meu argumento ainda cito o pregador Paul Washer em um de seus sermões onde ele diz o seguinte, “imagine quantas pessoas uma criança de 2-3 anos de idade machucaria esperneando se possuísse o tamanho e a força de um homem de 40 anos de idade; ela literalmente arrancaria o que quisesse das mãos de qualquer um sem sentir nenhum remorso.” Crianças são preciosas? Sim. Puras? Não. Inocentes? De uma certa forma sim. Perfeitas? Não.   

Então a criança nasce mau, mas não fazendo maldades, e conforme  ela cresce, se apropria e desenvolve aqueles sentimentos e intenções depravados, cultivando um gosto pelo erro, até que amadurece, e então, conforme suas preferências, exerce sua maldade, seja ela destrutiva ou apenas autodestrutiva. Da mesma forma digo que o pedófilo dificilmente ingressa no mundo da pornografia já pedófilo, mas conforme ele vai se relacionando com a imoralidade, aos poucos, é seduzido à pedofilia. É assim como está escrito, “um abismo chama a outro”. É o mesmo processo com quase tudo: começa-se com o mais ameno e gradativamente se vai ao mais agressivo. Do baseado ao crack, do beber socialmente ao alcoolismo, do erotismo à pornografia e da pornografia às bestialidades. De grão em grão a galinha enche o papo diz-se, pois a Bíblia nos passa uma mensagem parecida, que de abismo em abismo o homem enche o inferno.  

Pela maldade ser uma condição natural de nosso estado caído, desde pequenos tendemos a fazer o que é errado. Temos facilidade e prazer em desobedecer, se rebelar e machucar; é prazeroso comer o que não se deve, mais conveniente ser injusto, mais excitante transgredir, mais fácil mentir, mais confortável ser preguiçoso, menos estressante ser irresponsável; dá menos trabalho ser um mau funcionário e é mais divertido ser um jovem rebelde; é fácil trair, machucar e ser devasso. Uma vez me disseram que tudo que é errado é mais gostoso. Claro! Quando a vontade é corrompida o gosto é pervertido. Para o porco é normal ser sujo e gostar de lavagem, também não esperaria que o urubu gostasse de boa comida. A natureza desses animais é o que os leva a serem assim, da mesma maneira, a natureza do homem é o que o leva a ser mau.

Então não diga que você não faria o que esses assassinos do noticiário fizeram, pois é claro que faria. O que incentivou eles a cometer tais crimes também habita em você. Diante dessas chacinas eu choro. Choro pelas vítimas. Choro pelas famílias e amigos das vítimas. Choro por indignação e raiva e clamo por justiça. Mas também choro por gratidão, pois o Senhor interviu em minha história, e ao me dar novo coração e nova mente, mudou as minhas vontades e me tirou de sob a escravidão do pecado. Choro porque carrego as mesmas inclinações que aqueles monstros, e diante desse fato, louvo por ter sido feito nova criatura. Se não fosse o Senhor, era a nossa cara que poderia estar no jornal sob o título “assassino”.

Termino com um ensinamento do teólogo e filósofo Ariovaldo Ramos, a quem tive o privilégio de conhecer e gastar umas boas duas horas conversando durante o feriado de Páscoa, “O homem não se torna pecador porque peca, mas peca porque é pecador.”

Guilherme Adriano.

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