A Política do Oleiro (Trump, Temer e Deus)


Lula nunca soube de nada. Dilma pedalou. Temer quis manter isso assim, viu? Já aqui no outro polo das Américas, Trump continua sua luta contra orações subordinadas e coordenadas. De seus óbvios vínculos Russos (um oxímoro ao ouvido americano) a suas teorias da conspiração, não há nada no repertório do Laranjão que consiga fazer seus partidários duvidar de seu caráter por um segundo sequer. No entanto, os evangélicos americanos não cansam de pregar o quão providencial e ungido é  Donald. Alguns líderes religiosos e jornalistas da extrema direita (também religiosa) já até disseram que se não fosse por Donald, em Hillary, o anticristo assumiria o poder e levaria o país à ruína (Alex Jones, faça o favor de conhecê-lo. Entenda Alex e entenda o fundamentalismo religioso norte americano. Clique aqui, onde ele vai dizer que Obama e Hillary são possuídos e cheiram a enxofre, literalmente fedem a enxofre por serem demônios). 

O cenário político norte americano é permeado de teologia de ungidos e da providência divina. Quase todo candidato a presidente de direita é da estirpe de Deus. Para um bom número de cristãos, quem escolheu Trump foi Deus.

No Brasil, há pouco, a página Ativismo Protestante compartilhou um o vídeo (esse) de pastores evangélicos orando de mãos estendidas sobre Temer e lendo passagens que aludiam à escolha divina e providencial para o governo do Brasil - e é claro que o Malafaia estava lá no fundo sendo o Malafaia. A legenda do vídeo diz "pastores dizem a Michel Temer que Deus o escolheu para presidente do Brasil. Alguém ainda acredita nisso?" 


Boa pergunta, alguém ainda acredita nisso? Mesmo depois de morder a goiaba e achá-la toda bichada, ainda conseguem dizer que é da goiabeira de Deus? Ainda alguém consegue dizer que foi providência? Mas sem perceber, a página humorística (claramente reformada) se deu um tiro teológico no pé. Se podemos perguntar de Temer, por que não perguntar de Constantino? Por que não perguntar de Ciro? E Nabucodonosor? Será que as escolhas foram divinas mesmo? E oportunismo histórico da parte dos hebreus e cristãos posteriores, não houve? 

É fácil acreditar e projetar uma teologia de providência a um passado romantizado onde os defeitos e pecados do ungido são eclipsados pelo seu heroísmo e instrumentalização nas mãos de Deus. No passado, tudo fica lindo e Deus faz grandes manobras geopolíticas em favor de seu povo ungindo pagãos violentos e corruptos. Aqui no presente, nem tanto. 

Era de se esperar que os hebreus antigos, ao registrar de suas crônicas, interpretariam as movimentações políticas de seu mundo e sua história religiosa como o manusear de Deus na história. Contudo, isso não quer dizer teologicamente que assim o foi. 

Mas e nos dias de hoje? Quem vai botar a cara a tapa e clamar providência divina com o Temer? Com o Trump? Desculpe-me, mas eu não. Sou cristão e não posso blasfemar. Jesus não deu margem à interpretação de que Deus usa César providencialmente para consertar a nação. Também não vou entrar na questão de Paulo e de como entendia a relação de Deus e o governo porque isso vai muito longe, mas resumindo, talvez ele estivesse apenas especulando e não descrevendo deveras como Deus distribui poder - também porque quem tem o poder do mundo para distribuir, de acordo com Jesus, é o capiroto, lembra a tentação do deserto? 

Não dá mais para engolir esse papo de providência meticulosa como se ainda vivêssemos em um mundo pré-científico. Há as ciências sociais e tantas outras que nos permitem refinar o vocabulário religioso de maneira que não precisamos mais usar formulações teológicas tão rígida e literalmente. Não faz bem a ninguém ter uma leitura simplista do mundo onde tudo é decreto, tudo é de acordo com a vontade de Deus, tudo é Deus, Deus, Deus. 

Dentro do contexto da reforma protestante, fazia sentido - e era necessário - enfatizar o controle e soberania de Deus, pois os reformadores estavam lutando contra o monopólio teológico de Roma. Lutero, Calvino, Zuínglio e outros precisavam de argumento e autoridade suficientes para refutar um império supostamente divino. Quem maior que o próprio Deus? Que maior autoridade do que Seus próprios decretos? Então, para eles, foi Deus que guiou a reforma, foi Deus que isso e Deus que aquilo. Esse era um argumento poderoso para se desvincular de Roma. E deu certo. Essas formulações trouxeram conforto e coragem suficientes para manter os protestantes focados em sua missão de reformar o cristianismo. Todavia, enrijecido e tirado de seu contexto linguístico, o argumento da providência meticulosa leva ao absurdo. Se Spurgeon e Piper estiverem certos sobre o controle total de Deus, posso dizer que Deus, desde antes da criação, planejou e efetivou cada um de meus peidos (e não só o ato, mas o querer e o efetuar, de acordo com Paulo). Não é falácia, irmãos calvinistas, perguntei isso a um teólogo reformado que acompanho no Face e ele me deu avará para afirmar que Deus planejou meu peido fedido - para um Deus que põe Temer no governo, meu peido até deixa de ser tão fedido, viu. Daí entramos na velha questão do predestinar de absurdos e pecados e, francamente, ninguém mais aguenta falar nisso. E isso só mostra que ainda estamos discutindo teologia com cabeça de século 16. 

O mundo progrediu, as ciências evoluíram, a exegese bíblica deu grandes avanços, o entendimento da realidade - e consequentemente do que pode estar fora dela - ficou mais preciso, só que ainda estamos acreditando que a única maneira de Deus ser soberano é controlando tudo e escolhendo o Trump aqui e o Temer aí. Ainda estamos discutindo Deus na eternidade em categorias de tempo, como Boécio e C.S. Lewis já haviam percebido. 

Não me entenda errado, não tenho problemas com Deus sendo soberano. Acredito que Ele o é. Só não consigo acreditar que Deus seja um pior eleitor do que nós. 

Se estiver errado em minha crítica e a teologia reformada estiver certa em afirmar que tudo o que acontece é parte do decreto divino, então o problema não é mais meu, mas sim do deus que deve ser um péssimo, péssimo oleiro. 



Guilherme Adriano

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